sexta-feira, 2 de abril de 2010

Estátuas de Giz e um Quadro Negro em Branco

Donald diz - Movimento contido?
Pateta diz - É pra dizer??
Donald diz - Pose sustentada?
Pateta diz - ah tá!! OK, check check!
De dentro da sua redoma de vidro, hermeticamente fechada, isolada, devidamente higienizada, rolando tonta, de ponta cabeça, sua cabeça aponta para uma entrada.
        - Não está vendo? Chegamos! Chegamos! Sejamos Bem Vindas!-apontando a placa que dizia:
“Museu de Musas Cegas: Surdas e cegas, não por vergonha, mas por  orgulho quase nacional!”
           -Impaciência!
        
           Ela explode sua redoma com tanta violência e ansiosidade, que o sentimento do ar puro finalmente entrando em seus pulmões vira uma sensação secundária perante a natureza da sua vontade de correr para o portal.  
           Adentrou nessa capela de Deusas maduras. O chão pouco sólido, era sangue muito pisado, o que deixava o ambiente com aroma ferroso, doente, e inquieto, um branco infinito nas paredes e pilares tornava aquele concreto impalpável, e uma tela de proporção absurda sobre um cavalete de porcelana, completavam a imagem desse vasto salão com uma mistura entre uma sala de emergência  e hotel barato. Um lustre feio iluminava o ambiente junto com poças de cera, que são velas deformadas por calor, entre as pilastras. Embaixo do lustre, uma fonte com imagens de Vênus se entregando à Adônis, com uma de Hathor vertendo vinho pela boca banhando os corpos brancos, lhe sugeriam que, todos que estiveram ali falavam uma língua universal e atemporal.
        
          Após o choque ansioso ter passado, aquele aroma peculiar de vinho e sangue secretamente acalmou seus sentidos. Agora, sua atenção transitava por onde ela nunca imaginou, ora no cerne do infinito interior, ora na mais bela superfície que a pele desenhava, e essa alternada alteração sensorial, fez ela sentir tremer seus lábios e invadir seu peito um calor de potência inextinguível, e com movimentos involuntários seu corpo torcia em degustação, as sombras fabricadas pelas velas velhas e pilastras a ergueram e a colocaram contra a tela onde ela estampou com seu corpo indomado uma pintura nas cores do mundo. Agora ela é o mundo.

          Durado uma vida de intensidade essas horas que se seguiram, sentiu-se só, e assim ela estava. Só. Sacerdotisa de sua própria religião, num templo que ela construiu por necessidade e desejo durante tantos e longos onze anos, e é a necessidade de transformá-lo em pó, que a toma de assalto. Aplacada pelo desassossego e de ódio ensimesmado, num frenesi genocida se lançou de encontro a cada centímetro de alva parede manchando elas com sua vergonha, trepou selvagem nas pilastras cravando suas unhas na tinta e concreto, subiu até o teto e se lançou pra cima do lampadário que pendia sobre a fonte.

Lustre se rompe.

          Caída na fonte, ela se engasga com o vinho que sorveu sem querer, ao sentir o perfume dela misturado com vinho as estátuas ganham vida, Vênus a ergue e a trás de encontro ao seu corpo, calma, solene, e de forma amiga e acolhedora, mas como uma planta carnívora faz de seus braços uma prisão. Adônis se aproxima, e de forma varonil a empala, com a sensibilidade de uma estátua de pedra, a violenta até seu membro quebrar e virar pó. Ela chora desesperada enquanto tudo acontece, e nos seios de Vênus, que os oferece como uma forma de compensação, ela mama, evocando memórias do início de sua vida. Mas o leite, como o veneno de uma aranha, age liquefazendo por dentro, ainda deu para ouvir ela em meio ao seu engasgo final, dizer:
          
            - Mã…mã…     

            Adônis se abaixa, a pega pelos pés e rompe a ponta dos dedos, e os direciona para fora da fonte, o liquido vermelho amarronzado se derrama pelo chão de mesma cor, até o corpo controlado se transformar em uma casca oca, como a de uma cigarra.
Vênus canta um velho lamento enquanto leva sua mais nova peça em direção à uma maçaneta escondida no branco, que ao abrir as portas mostra ser a parte interna de uma vitrine, com cabides que circulavam pelo teto. Vênus esperou um cabide vazio passar por ela e pregou a cabeça oca na haste. Do outro lado do vidro, estavam quatro homens maltrapilhos, rindo, vidrados, batendo palmas lentas, esperando ansiosos… acima desses homens, no reflexo do vidro, dava pra se ler um letreiro feito às pressas…
...

Pesquisar este blog?